O processo migratório como uma prática emancipatória.

Migrar ou não migrar? Será que vale a pena deixar minha terra natal? O quanto isso vai me custar? E se eu não me adaptar? Mas, se eu não tentar, como vou saber? Perguntas como essas são comuns para muitos que desejam migrar.

O poeta Fernando Pessoa, em seu poema Mar Português, escreve: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor”. Nos versos, o poeta retrata os desafios, as perdas e o sofrimento que mares jamais navegados ou uma terra pouco conhecida pode trazer (Thomazelli 2017). O Cabo Bojador era conhecido também como “Cabo do Medo” por ser uma travessia muito arriscada, em que existem muitos corais, pedras, ventos fortes e um mar agitado, porém existia a esperança de que se encontraria novas possibilidades no término dessa passagem. 

O processo migratório é composto por diferentes “Bojadores”. Migrar, envolve riscos, envolve algumas perdas – como rupturas nos laços familiares, afetivos, referências culturais, linguísticas e muitos outros desafios que uma terra desconhecida ou pouco navegada pode trazer. 

Contudo, a migração também tem os seus benefícios. A experiência individual da migração é composta de projetos de vida. Quem e/imigra está em busca de novas oportunidades, seja estabilidade financeira, na busca de um emprego melhor, de mais qualificações, seja através do sonhado mestrado/doutorado no exterior ou, simplesmente, aprender uma nova língua. A migração também pode ser um investimento no amor, através dos relacionamentos biculturais. Mas, para algumas pessoas, como no caso de imigrantes involuntários, deixar a terra natal não é somente uma escolha, mas um ato de sobrevivência, pois sua vida corre riscos, devido a perseguições religiosas, políticas e/ou ideológicas. As razões são diversas, porém o desejo por novas possibilidades é presente em qualquer tipo de migração. 

A história é repleta de homens e mulheres que migraram em busca de novas possibilidades. Que decidiram navegar por mares jamais navegados, como: Albert Einstein, Fernando Pessoa, Sigmund Freud, John Lennon, Bob Marley, Miriam Makeba, e muitos outros migrantes que ficaram no anonimato.

Olhar o processo migratório como uma prática emancipatória permite a valorização das experiências dos migrantes que, muitas vezes, são anuladas por estereótipos e estigmatizações sociais. O conceito de emancipação vem do Direito Romano e significa “tornar-se livre de tutela”, “libertar-se”, “conquistar independência” (Lechner, 2014). Emancipação é tornar-se protagonista da sua própria história, é a liberdade de criar novos personagens ou de não aceitar viver uma vida que não é digna de ser vivida (Ciampa, 2003).

O ato de imigrar – seja internamente (de uma cidade para outra, ou de um estado para outro) ou internacionalmente (para outros países) – traz consigo novas possibilidades identitárias, em que o sujeito não é, ele está sendo e virá a ser, ou seja, ele está em constante movimento. Se essas novas possibilidades identitárias geradas pela migração forem construídas com consciência política, de forma humanizada e com autonomia, podem possibilitar o desenvolvimento de fragmentos emancipatórios (Miranda, 2019).

O processo migratório não é somente uma mudança geográfica; envolve também mudanças identitárias, que se dão através da relação com um outro. “Quem sou eu” nessa nova terra dependerá de como essa sociedade hospedeira vai acolher e reconhecer o migrante. A forma como o processo de aculturação/adaptação vai acontecer não depende somente de características pessoais dos migrantes, mas também de características contextuais no que diz respeito à recepção dada ao migrante, a forma como será incluído pela sociedade hospedeira. 

A migração é uma atitude transformadora daquele que imigra e daquele que acolhe. Ela permite que, tanto os e/imigrantes quanto os membros da sociedade hospedeira venham a vivenciar novas experiências. É a oportunidade de usufruir da dinamicidade da vida, que envolve o construir, o reconstruir e o descontruir de saberes, valores, dogmas, ou personagens que criamos ou que nos foram dados. Termino este texto da mesma forma que iniciei, usando as palavras de Fernando Pessoa:

“A certeza de que estamos sempre a começar…”

Texto: Vanessa Kamila Moratti

Lechner, Elsa. (2014) Pesquisa biográfica junto de imigrantes em Portugal: experiência de pesquisa participativa e relevância analítica dos testemunhos privados. História (São Paulo).

Ciampa, A. C. (1987/2005). A estória do severino e a história da severina. São Paulo: Brasiliense.

Miranda, Suelen. (2019). O estudo das migrações a partir da Psicologia Social: Uma perspectiva crítica. Estudos e Pesquisas em Psicologia.

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s